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Nas Cerejeiras, uma aldeia de Penela, os pais decidiram criar uma "escola" diferente para os seus filhos, onde a aprendizagem é movida pela curiosidade de cada criança. O projecto até já motivou a ida de famílias estrangeiras para este município do distrito de Coimbra.
Foto: LUSA
Apesar de estar numa antiga escola primária, a comunidade educativa das Cerejeiras tem muito pouco a ver com a ideia tradicional do ensino, desenvolvendo o projecto com base nas metodologias do movimento da escola moderna e do método Montessori.
Nas salas, não há quadros pretos, as mesas e cadeiras não estão dispostas em filas, não há trabalhos de casa, as crianças podem andar descalças e, pelas paredes, vários cartazes indicam tarefas (como limpar o chão ou regar as plantas), ou a disposição dos dias para cada aluno, projectos que estão a desenvolver ou parcerias com outros colegas.
Rita, de dez anos, coordena o clube de russo que criou este ano. O irmão, Guy, está focado em fazer mais adubo para a pequena casinha que criaram atrás da antiga escola primária. Miguel, de oito anos, fala do seu projecto, através do qual ficou a saber tudo sobre vulcões.
Quando a reportagem da agência Lusa chega, no penúltimo dia de aulas, nenhum dos 12 alunos (com idades entre os cinco e os 10 anos) está dentro da sala. Há uma liberdade de movimentos das crianças, entre as salas e o espaço exterior, onde por essa altura todos gostavam de estar concentrados.
Chamar ao projecto uma "escola" pode até ser algo problemático, indica Pedro Branco, consultor pedagógico das Cerejeiras, remetendo para a noção clássica de escola: "É um lugar onde as pessoas teoricamente estão fechadas a aprender".
"No caso das Cerejeiras, os miúdos são livres de aprender e fazer coisas. É a principal diferença: aqui há uma grande liberdade que, ao contrário do que se pensa, não restringe a aprendizagem. Muito pelo contrário, expande porque a criança é naturalmente um ser que gosta de aprender", sublinha.
Por entre projectos que os alunos desenvolvem, as duas professoras que acompanham o trabalho das crianças aproveitam para ir integrando conhecimentos de matemática, português ou estudo do meio.
O próprio papel das professoras é diferente. Nas Cerejeiras, são "facilitadoras" da aprendizagem, diz Ana Gonçalves.
Foto: Lusa
As competências adquiridas naquela comunidade educativa acabam por não estar compartimentadas em anos. Há crianças que não têm todas as competências do 1.º ano, mas que já estão a adquirir "competências do 4.º ano, porque foi necessário falar sobre elas", refere a professora.
A docente que trabalhou como professora em escolas públicas encontrou neste projecto uma forma diferente de ensinar as crianças, onde, acima de tudo, é dada confiança às crianças.
"A grande diferença entre escola convencional e esta escola democrática é a autonomia e confiança que damos à criança. Na convencional , quem responde às perguntas sou eu, eu adulto, porque eu é que sou capaz", diz.
Miguel, de oito anos, é isso que sublinha quando fala à Lusa: "Nós decidimos o que queremos fazer e também temos montes de projectos".
Rita, de dez anos, já tinha tido a experiência da escola tradicional em Telavive, de onde se mudou com os pais e o irmão para Penela.
"Nas outras escolas, estávamos sempre sentados na cadeira e só trabalhávamos naquilo que a professora queria. Aqui, podemos escolher em que é que queremos trabalhar e temos mais tempo para brincar", diz a menina de dez anos, que em dois anos fala um português sem qualquer sotaque.
Os pais de Rita não podiam estar mais satisfeitos.
Naturais da Rússia e da Bielorrússia, viviam em Telavive, Israel, e decidiram seguir o sonho de viver de uma forma diferente, "mais perto do campo, da natureza", conta à Lusa Ilya Borin.
Fazem parte dos pais fundadores das Cerejeiras e escolheram Penela especificamente por causa daquele projecto educativo.
Entretanto, mais famílias fizeram o mesmo percurso para aquele concelho do distrito de Coimbra ou para municípios vizinhos: duas famílias de Coimbra, uma de Londres (Inglaterra) e outra de Amman (Jordânia).
"Esta experiência é extraordinária. É o melhor que já fizemos para nós e para os nossos filhos. Eles estão muito felizes, muito calmos, muito tranquilos e também aprendem muito", sublinha Ilya, engenheiro informático que trabalha a partir de casa.
Se antes via a Rita "ansiosa" e triste quando chegava a casa, hoje "quer é trabalhar e aprender".
A liberdade na aprendizagem não assusta o pai, referindo que a filha domina os conhecimentos do 4.º ano, ao mesmo tempo que adquire "mais tipos de conhecimento, mais aberto, mais criativo".
Catarina Santana, também mãe fundadora, explica que o projecto é suportado por uma associação sem fins lucrativos criada pelos pais, que fazem uma doação mensal de 200 a 240 euros por mês.
As crianças, registadas no ensino "doméstico", contam com a presença de duas professoras do 1.º ciclo, assim como professores de educação física, música e artesanato, sendo que a associação está a trabalhar em dois caminhos para formalizar o projecto.
"Gostaríamos de encontrar um enquadramento legal para sermos mais livres. Ou nos afirmamos como escola internacional ou um caminho oposto e que para nós é mais interessante, que é a integração no ensino público enquanto projecto-piloto de autonomia e flexibilidade curricular", refere.
Para isso, contam com a ajuda da própria Câmara de Penela, que está a trabalhar para que aquela comunidade educativa integre o ensino público, depois de terem recebido com grande satisfação o projecto que foi ocupar uma escola fechada pelo despacho que obrigava a encerrar estabelecimentos com menos de 20 alunos.
"Abraçámos o projecto de corpo e alma", vinca o vereador da Educação, Rafael Baptista.
"Há famílias a mudarem-se para cá e outras interessadas em mudar-se. O problema agora até é mais de habitação para instalar as pessoas", notou.
No próximo ano, o projecto espera crescer e aumentar o número de alunos, passando também a garantir o 2.º ciclo.
Segundo Catarina Santana, o sonho dos pais é garantir "o acesso às aprendizagens que querem até [os filhos] fazerem a opção de entrarem na universidade".
Neste projecto, sublinha, os pais "fazem parte do processo de aprendizagem" e a própria relação com os filhos melhora.
"Uma mãe dizia que na escola normal a filha pedia-lhe ajuda para terminar qualquer coisa porque tinha que ser. Agora, pede-lhe ajuda para desenvolver alguma coisa que ela quer mostrar na escola. Isto influencia a relação entre pais e filhos, promove continuidade entre casa e escola e também o bem-estar das famílias".
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De LUSA